ÉMILE DURKHEIM NO CONTEXTO DAS CIÊNCIAS HUMANAS

26/04/2013 15:18

 

 ÉMILE DURKHEIM (1858-1917)

I - DURKHEIM NO CONTEXTO DAS CIÊNCIAS HUMANAS

 

     Antes de abordarmos diretamente as importantes contribuições do sociólogo Émile Durkheim achamos importante fazer algumas digressões acerca das ciências humanas, particularmente sobre a origem, o método e o objeto de estudo fundamental da sociologia como área do conhecimento.

     Evidentemente que o que une as ciências humanas é exatamente seu objeto de estudo comum que é o ser humano em suas diversas dimensões. A antropologia, a psicologia, a história, a linguística, a economia e a sociologia formam campos específicos de análise das questões referentes ao homem. Com o advento da fenomenologia, que introduziu a noção de essência aos fenômenos, houve a possibilidade de diferenciação de uma realidade de outra e garantiu a existência e a especificidade dos diversos campos analíticos nas ciências humanas.

     De um modo geral o humano como objeto de investigação científica tem cinco séculos de história. Nasceu com o humanismo no século XV e perpassou pelo positivismo no século XIX e o historicismo do final do século XIX e início do século XX.

     A sociologia, entretanto, permaneceu embrionária durante um longo período, talvez pela percepção tradicional dos pensadores de que a sociedade era basicamente um produto da ação humana, fruto pois da arte e da reflexão das pessoas. Havia um certo consenso em relação a este pressuposto racionalista em que o coletivo seria uma construção deliberada de um grupo segundo Russeau, ou obra de um só segundo Hobbes. A percepção de Aristóteles de que a sociedade deveria ser vista e estudada como um fato natural, e portanto deveria ser regida pelas mesmas leis da natureza, apenas foi encontrar eco significativo comMontesquieu em meados do século XVIII.

     Contudo, apenas no século XIX e principalmente a partir do trabalho de Augusto Comte é que são fundadas propriamente as bases da sociologia. SegundoComte as leis sociais são fundamentalmente leis naturais. A partir desta pressuposição advoga que a sociedade é uma espécie de organismo vivo e os fenômenos sociais, sendo em sua essência fatos naturais, devem poder ser analisados à luz das leis e métodos naturais. Assim como existe a física da natureza deve haver uma física social que explique o comportamento do agregado dos indivíduos que é a sociedade, e esta física social seria exatamente a sociologia. Comte propõe o estudo científico da sociedade a partir dos procedimentos, métodos e técnicas empregados pelas ciências da natureza (biologia, química, física). Entretanto trabalha em uma perspectiva evolucionista da humanidade, pois entende que o progresso da humanidade/sociedade no tempo constitui a principal matéria da sociologia. Parte da premissa de uma constante evolução geral do gênero humano e o objetivo da sociologia seria de determinar a ordem de tal evolução. Utiliza os conceitos de humanidade e sociedade simultaneamente e com significados semelhantes. A perspectiva positivista de Comte originou por um lado a psicologia positivista, a qual afirma que seu objeto não é o psiquismo enquanto consciência mas enquanto comportamento e que portanto pode ser tratado com o método experimental das ciências naturais, e por outro lado a sociologia positiva, a qual tem em Émile Durkheim seu principal expoente e que estuda a sociedade a partir dos fatos sociais como eles se apresentam na prática o que também possibilita a utilização dos métodos das ciências naturais para análise dos fenômenos sociais.

     Outro pensador que merece um destaque neste breve apanhado dos precursores da sociologia moderna é Spencer pois ele avança em algumas questões relativamente à Comte. Segundo Spencer a sociedade é uma espécie de organismo vivo. Assim como os organismos que nascem dos germes, evoluem e atingem seu estágio final, a sociedade também estaria fadada a seguir estes passos. Mas diferentemente de Comte, que trabalhava em uma perspectiva mais voltada à meditação filosófica da sociabilidade humana, Spencer preocupou-se em estudar como ocorriam alguns fatos sociais na prática. Estudou a evolução das sociedades e os diferentes tipos sociais como a família, as funções da igreja, o governo político, os fenômenos econômicos, a moral, a linguagem, etc.

     Finalmente, merece destaque a contribuição de Albert Schaeffle, um cientista alemão que empresta muitas idéias à Durkheim. Segundo Schaeffle, a sociedade não pode ser analisada como uma simples coleção de indivíduos, ela possui dinâmica própria, tem portanto vida própria, consciência e interesses não necessariamente idênticos ou próximos à média dos interesses dos seus constituintes. Preocupou-se em estudar os fatos sociais como eles ocorrem na realidade e trabalhou na perspectiva de análise (decomposição do fenômenos em suas partes constituintes) e síntese (reconstrução em que se seleciona o significativo do acessório) dos fatos sociais.

     Feito este apanhado geral, e criminosamente resumido, acerca da história da sociologia estamos em condições de compreender melhor a contribuição do francêsÉmile Durkheim (1858 – 1917) propriamente à sociologia.

     Como foi referido anteriormente Durkheim parte da idéia fundamental de Comte de que a sociedade deve ser vista como um organismo vivo. Também concordava com o pressuposto de que as sociedades apenas se mantém coesas quando de alguma forma compartilham sentimentos e crenças comuns. Entretanto critica Comte na sua perspectiva evolucionista pois entende que os povos que sucedem os anteriores não necessariamente são superiores, apenas são diferentes em sua estrutura, seus valores, seus conhecimentos, sua forma organizacional. Entende que a sequência das sociedades adapta-se melhor a analogia de uma árvore cujos ramos se orientam em sentidos opostos que uma linha geométrica evolucionista. Também Spencer foi alvo de críticas porquanto Durkheim que, de forma geral, estendeu esta crítica a uma série de outros pensadores. Segundo Durkheim muitos sociólogos trabalhavam não sobre o objeto em si, mas de acordo com a idéia pré-estabelecida acerca do fenômeno. Assim, ele entendia que a perspectiva de analise de Spencer não definia sociedade e sim contemplava sua visão particular de como efetivamente eram as sociedades. Também ponderou como ser possível encontrar a fórmula suprema da vida social quando ainda ignorava-se as diferentes espécies de sociedades, suas principais funções e suas leis. Como então empreender-se em um estudo da evolução das mesmas quando não se sabe exatamente o que são e a que vieram.

    Entretanto antes de seguirmos gostaríamos de mapear alguns pontos que nos parecem fundamentais para compreender o pensamento de Durkheim, cuja base assenta-se em alguns pressupostos ou noções fundamentais a serem detalhadas adiante:

  • Os fatos sociais devem ser tratados como coisas;
  • A análise dos fatos sociais exige reflexão prévia e fuga de idéias pré-concebidas;
  • O conjunto de crenças e sentimentos coletivos são a base da coesão da sociedade;
  • Destaca o estudo da moral dos indivíduos; e
  • A própria sociedade cria mecanismos de coerção internos que fazem com que os indivíduos aceitem de uma forma ou de outra as regras estabelecidas (a explicação dos fatos sociais deve ser buscada na sociedade e não nos indivíduos – os estados psíquicos, na verdade, são conseqüências e não causas dos fenômenos sociais)

 

 

 

 

 

II - O MÉTODO SOCIOLÓGICO DE DURKHEIM

Ideias centrais do método sociológico de Durkheim

      Podemos dizer que o método sociológico de Durkheim apresenta algumas idéias centrais, que percorrem toda a extensão de sua visão sociológica. São elas:

1) Contraposição ao conhecimento filosófico da sociedade: A filosofia possui um método dedutivo de conhecimento, que parte da tentativa de explicar a sociedade a partir do conhecimento da natureza humana. Ou seja, para os filósofos o conhecimento da sociedade pode ser feito a partir de dentro, do conhecimento da natureza do indivíduo. Como a sociedade é formada pelos indivíduos, a filososfia tem a prática de explicar a sociedade (e os fatos sociais) como uma expressão comum destes indivíduos. De outro lado, se existe uma natureza individual que se expressa coletivamente na organização social, então pode-se dizer que a história da humanidade tem um sentido, que deve ser a contínua busca de expressão desta natureza humana. Para Adam Smith, por exemplo, dado que o homem é, por natureza, egoísta, motivado por fatores econômicos e propenso às trocas, a sociedade de livre mercado seria a plena realização desta natureza. Para Hegel, a história da humanidade tendia a crescentemente afirmar o espírito humano da individuação e da liberdade. Para Marx, a história da sociedade era a história da dominação e da luta de classes, e a tendência seria a afirmação histórica, por meio de sucessivas revoluções, da liberdade humana e da igualdade, por meio do socialismo.

Para Durkheim, estas concepções eram insuportáveis, pois eram deduções e não tinham validade científica, eram crenças fundamentadas em concepções a respeito da natureza humana. Durkheim acreditava que o conhecimento dos fatos sociológicos deve vir de fora, da observação empírica dos fatos.

2) Os fenômenos sociais são exteriores aos indivíduos: a sociedade não seria simplesmente a realização da natureza humana, mas, ao contrário, aquilo que é considerado natureza humana é, na verdade, produto da própria sociedade. Os fenômenos sociais são considerados por Durkheim como exteriores aos indivíduos, e devem ser conhecidos não por meio psicológico, pela busca das razões internas aos indivíduos, mas sim externamente a ele na própria sociedade e na interação dos fatos sociais. Fazendo uma analogia com a biologia, a vida, para Durkheim, seria uma síntese, um todo maior do que a soma das partes, da mesma forma que a sociedade é uma síntese de indivíduos que produz fenômenos diferentes dos que ocorrem nas consciências individuais (isto justificaria a diferença entre a sociologia e a psicologia).

3) Os fatos sociais são uma realidade objetiva: ou seja, para Durkheim, os fatos sociais possuem uma realidade objetiva e, portanto, são passíveis de observação externa. Devem, desta forma, ser tratados como "coisas".

4) O grupo (e a consciência do grupo) exerce pressão (coerção) sobre o indivíduo: Durkheim inverte a visão filosófica de que a sociedade é a realização de consciências individuais. Para ele, as consciências individuais são formadas pela sociedade por meio da coerção. A formação do ser social, feita em boa parte pela educação, é a assimilação pelo indivíduo de uma série de normas, princípios morais, religiosos, éticos, de comportamento, etc. que balizam a conduta do indivíduo na sociedade. Portanto, o homem, mais do que formador da sociedade, é um produto dela.

 O que é um "fato social"?

 Nas palavras do próprio Durkheim

"É fato social toda a maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, toda a maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independente de suas manifestações individuais" (Durkheim, 1999, p. 13).

Ou ainda

"O fato social é tudo o que se produz na e pela sociedade, ou ainda, aquilo que interessa e afeta o grupo de alguma forma"(Idem, p. XXVIII).

     Os fatos sociais, para Durkheim, existem fora e antes dos indivíduos (fora das consciências individuais) e exercem uma força coercitiva sobre eles (ex. as crenças, as maneiras de agir e de pensar existem antes dos indivíduos e condicionam coercitivamente o seu comportamento).

     Durkheim argumenta, contrariando boa parte do pensamento filosófico, que "somos vítimas da ilusão que nos faz crer que elaboramos, nós mesmos, o que se impõe a nós de fora" (Idem, p.5). E, respondendo àqueles que não crêem nesta coerção social que sofrem os indivíduos porquê não se pode senti-la, argumenta que "o ar não deixa de ser pesado embora não sintamos seu peso". Para Durkheim, o fato social é um resultado da vida comum, e ele propõe isolá-los para estudá-los. Desta forma, a sociologia deveria preocupar-se essencialmente com o estudo dos fatos sociais, de forma objetiva e científica.

 Sobre a observação dos fatos sociais:

      Para Durkheim, a ciência deveria explicar, não prescrever remédios. Este, para ele, era o problema da filosofia, ela tentava entender a natureza humana, pois aí, tudo o que estivesse de acordo com esta natureza era considerado bom, e tudo o que não estivesse era considerado ruim.

Para Durkheim, a observação dos fatos sociais deveria seguir algumas regras, tais como:

A.   Os fatos sociais devem ser tratados como COISAS.

Para Durkheim, "é coisa tudo aquilo que é dado, e que se impõe à observação". Nem a existência da natureza humana nem o sentido de progresso no tempo, como admitia Comte por exemplo, fazia sentido, segundo Durkheim, dentro do método sociológico. Eles são uma concepção do espírito. Durkheim, neste sentido, é essencialmente objetivista, empirista e indutivista, ao contrário de Comte, o fundador da sociologia, que era considerado por ele como subjetivista e filosófico.

B.    Uma segunda concepção importante no método sociológico de Durkheim, é de que, para ele, o sociólogo ao estudar os fatos sociais, deveria despir-se de todo o sentimento e toda a pré-noção em relação ao objeto.

C.    Terceiro, o pesquisador deveria definir precisamente as coisas de que se trata o estudo a fim de que se saiba, e de que ele saiba, bem o que está em questão e o que ele deve explicar.

D.   E quarto, a sensação, base do método indutivo e empirista, pode ser subjetiva. Por isto, dever-se-ia afastar todo o dado sensível que corra o risco de ser demasiado pessoal ao observador.

Sobre a distinção entre "normal" e "patológico"

      Uma questão de fundamental importância no pensamento de Durkheim, é que dá o tom do seu positivismo e funcionalismo, é a concepção de que existem estados normais e estados patológicos entre os fatos sociais. Ou seja, existem fatos sociais que são normais e fatos que são patológicos, ou mórbidos como também ele denomina estes últimos. Para ele, fatos normais são aqueles que são o que devem ser, enquanto os patológicos deveriam ser de outro modo. Portanto, dentro desta perspectiva, poderíamos encontrar estados de saúde e doença social. Assim, "a saúde seria boa e desejável, ao passo que a doença é ruim e deveria ser evitada" (Idem, p. 51).

     Partindo deste pressuposto, Durkheim pensava ter encontrado uma forma objetiva de dar um propósito prático, ou normativo, à sociologia, sem deixar de ser uma ciência explicativa e objetiva. Segundo ele, até então haviam duas formas de pensamento: (a) a ciência puramente explicativa, sem fins práticos e não normativa, que tendia a tornar-se inútil; e (b) o método ideológico, que era dedutivo, baseado na idéia do próprio autor, no conhecimento filosófico, normativo mas não científico (ele cita a filosofia e a economia por exemplo, e também alguns sociólogos, como Spenser). Nenhuma destas concepções era satisfatória; a primeira era inútil pois não poderia lançar luz sobre a ação humana, ao passo que a segunda não era objetiva e, portanto, era não científica.

     Desta forma, Durkheim acreditava que

"Se encontrarmos um critério objetivo, inerente aos fatos mesmos, que nos permita distinguir cientificamente a saúde da doença nas diversas ordens de fenômenos sociais, a ciência será capaz de esclarecer a prática, sem deixar de ser fiel ao seu próprio método" (p.51).

     O grande problema, agora, para Durkheim, era definir saúde e doença em sociologia. E, neste ponto, ele lança mão de todo um repertório de comparações com a medicina e com os organismos vivos. Assim, ele define saúde como a perfeita adaptação do sujeito ao seu meio, e doença como tudo o que perturba esta adaptação.

     Mas, com base em que critério poderíamos dizer que um método de se adaptar é mais perfeito do que outro. Segundo ele, não poderia ser pelo que compromete a sobrevivência ou pelo que debilita o organismo (comparando com a medicina, a velhice, a menstruação e o parto implicam em riscos e debilitam o organismo, mas não são doenças). Da mesma forma, não poderia ser pela funcionalidade (comparando novemente, certas disposições anatômicas, o apêndice por exemplo, não são funcionais mas nem por isto são doenças). Cabe observar, porém, que, embora descartando a funcionalidade como critério objetivo para se dizer se um fato é normal ou patológico, ele dá bastante ênfase, em todo o seu trabalho, à funcionalidade dos fatos sociais normais. Em um parágrafo ele até mesmo se contradiz afirmando que "é doença social quando perturba o desempenho normal das funções"

     Mas, descartando, a princípio, estas duas possibilidades, Durkheim permite uma abertura ao subjetivismo. Segundo ele, para o sociólogo é mais complicado do que para a medicina, definir estados doentes e saudáveis. Assim,

"Na falta desta prova de fato, nada mais é possível senão raciocínios dedutivos cujas conclusões só podem ter o valor de conjecturas subjetivas. Demonstrar-se-á não que tal acontecimento enfraquece efetivamente o tecido social, mas que ele deve ter este efeito" (Idem, p. 56).

     Fundamental, portanto, para Durkheim, era definir o que é normal. O que é um Estado Normal? O normal, salienta ele, é um estado relativo. Assim como na biologia a idéia de normal é relativa à espécie, a tipos dentro da espécie e à idade do ser, também na sociologia devemos considerar que a idéia de normal é relativo ao tipo de sociedade, a variações dentro da sociedade (selvagem ou mais civilizada) e ao estágio de desenvolvimento da sociedade. Desta forma, somente podemos comparar fatos sociais em sociedades distintas respeitando esta relatividade.

     Deve-se, assim, identificar os tipos normais por meio da observação. A medicina estuda as funções do organismo médio, e com a sociologia deveria ocorrer a mesma coisa. Dentro da concepção de Durkheim, normal também tem uma concepção de generalidade. Ou seja, se um fato social é encontrado em todas as sociedades de todos os tempos, então ele é normal. Ou então, se é encontrado em todas as sociedades daquele mesmo tipo social (sociedades semelhantes). Ele dá o exemplo do crime para ilustrar esta acertiva. Segundo ele, o crime existe em todas as sociedades, de todas as espécies, e não tende a diminuir. Não poderia ser normal a ausência de crime, pois uma fato que não é observado em nenhuma situação não poderia ser considerado normal. A ausência de crime seria impossível em uma sociedade, portanto, não poderia ser considerada normal. Obviamente que existem graduações de crime; ou seja, ele poderia aumentar a um ponto de se tornar patológico, ou seja, comprometer o tecido social. O cime seria também útil. Segundo o próprio Durkheim, o cime "é necessário; ele está ligado às condições fundamentais de toda a vida social e, por isto mesmo, é útil; pois as condições de que ele é solidário são elas mesmas indispensáveis à evolução normal da moral e do direito" (idem, p.71). Assim, se o crime é considerado normal, então ele é inevitável ainda que lastimável.

     A idéia de normal e patológico, segundo Durkheim, também tinha um outro fim prático: prevenir-nos de buscar utopias que se afastam na medida em que avançamos, e concentrar-nos nas coisas normais para cada sociedade em seu tempo.

 

 

Sobre a construção de tipos sociais

      Outra questão importante no método de Durkheim parte da necessidade de agrupar sociedades em tipos sociais, segundo a sua semelhança. Para o método sociológico, não interessava nem a perspectiva dos historiadores, que viam na história uma diversidade de sociedades muito grande, nem a filosófica, que agrupava toda a evolução histórica na idéia de humanidade, pela qual perpassava a realização da natureza humana. Segundo Durkheim, escapamos a esta alternativa tão logo se reconheça que, entre a multidão confusa das sociedades históricas (a infinidade de sociedades diferentes descrita pelos historiadores) e o conceito único, mas ideal, de humanidade (dos filósofos), existem intermnediários que são as espécies sociais.

     A constituição destes tipos sociais, de suma importância para a sociologia uma vez que Durkheim afirmava que a concepção de normal e patológico é relativa a cada tipo social, deveria seguir um método: (a) estudar cada sociedade individualmente; (b) constituir monografias exatas e detalhadas; (c) compará-las achando semelhanças e diferenças; (d) classificar os povos em grupos, segundo estas semelhanças e diferenças.

     Este seria, para Durkheim, um método somente admissível para uma ciência da observação. O estudo e a representação destes tipos sociais foi descrita por ele como uma área específica da sociologia, denominada Morfologia Social, numa clara alusão aos estudos semelhantes na biologia.

 Sobre a explicação dos fatos sociais

      Durkheim afirmava que seus antecessores na sociologia (Comte e Spencer) explicavam os fatos sociais pela sua utilidade. Assim, para Comte, o progresso existe para melhorar a condição humana, ou para Spencer, para tornar o homem mais feliz. A família, para Spencer, se transformara pela necessidade de concilhar cada vez mais perfeitamente o interesse dos pais, dos filhos e da sociedade. Assim, os sociólogos tendiam a normalmente deduzirem o fato dos fins, ou seja, a explicação suprema da vida coletiva consistiria em mostrar como ela decorre da natureza humana em geral. Para Durkheim, porém, este método era errado. Segundo ele

"Mostrar como um fato é útil não explica como ele surgiu nem como ele é o que é" (Idem, p.92). "Para explicar um fenômeno social é preciso pesquisar separadamente a causa eficiente que ele produz e a função que ele cumpre" (Idem, p.97). Apesar disto, "para explicar um fato de ordem vital não basta explicar a causa da qual ele depende, é preciso também ao menos na maior parte dos casos, encontrar a parte que lhe cabe no estabelecimento desta harmonia geral" (Idem, p.99).

     Para Durkheim, ao invés de buscar a causa dos fatos sociais nos fins ou na função que ele desempenha, "a causa determinante de um fato social deve ser buscada entre os fatos sociais antecedentes, e não entre os estados de consciências individuais". Por outro lado, "a função de um fato social deve sempre ser buscada na relação que ele mantém com algum fim social" (Idem, p. 112).

Sobre a relação de causalidade

      Dado que do fato social primeiro deve se buscar as causas para depois explicar-lhe as conseqüências (ou seja, não se pode deduzir a causa das sua conseqüência), deve-se Ter, então, rigor científico na explicação causal. Assim, para Durkheim

"Só existe um meio de demonstrar que um fenômeno é causa de outro: comparar os casos em que eles estão simultaneamente presentes ou ausentes e examinar se as variações que apresentam nessas diferentes combinações de circunstâncias testemunham que um depende do outro" (p. 127).

     Ora, este é um método que advoga a observação e o estudo estatístico do fato e dos fatores que hipoteticamente podem lhe ser causadores, para que se possa estabelecer correlação entre eles. Para Durkheim, em razão da natureza dos fatos, os métodos científicos que decorriam desta concepção dividiam-se em dois grupos: (a) Experimentação, quando os fatos podem ser artificialmente produzidos pelo observador; e (b) Experimentação Indireta ou Comparação quando os fatos se produzem espontaneamente e não podem ser produzidos pelo observador.

     Como pode-se observar, o método para se estabelecer a causalidade em sociologia, para Durkheim, seria a Experimentação Indireta ou Comparação. Comte também utilizava o método da comparação, mas a este ele adicionou o método histórico, pois ele tinha que buscar a finalidade e a evolução dos fenômenos, ou seja, o sentido de progresso. Isto, para Durkheim, não tina sentido em sociologia.

     Segundo a sua concepção de causalidade, a um efeito corresponderia sempre uma mesma causa. Assim, se um fato tem mais de uma causa, então ele não é um fato único. Durkheim dá o exemplo do suicídio: se o suicídio depende de mais de uma causa, é porque, na verdade, existem várias espécies de suicídio (ele identificou três tipos, que decorriam de causas distintas, o suicídio egoísta, o altruísta e o anômico).

     Mas não basta estudar a correlação entre os fatos sociais; é preciso que haja uma explicação racional vinculando-os. Assim,

"a concomitância (de dois fenômenos) pode ser devida não a um fenômeno ser a causa do outro, mas a serem ambos efeitos de uma mesma causa, ou então por existir entre eles um terceiro fenômeno, intercalado, mas despercebido, que é o efeito do primeiro e a causa do segundo" (idem, p.134).

     Desta forma, os resultados da comparação deveriam ser interpretados.

 O método de Durkheim, por ele próprio

      Para Durkheim, o seu método sociológico tinha três características básicas que o distinguiam de seus antecessores na sociologia, como Comte e Spencer:

1.     Ele é um método independente de toda a filosofia. Ou seja, ele não tem que Ter uma vinculação com qualquer visão filosófica ou ideológica do mundo. Ele não precisa afirmar nem a liberdade nem o determinismo; a sociologia, assim, não será nem individualista, nem comunista, nem socialista, no sentido que se dá vulgarmente a estas palavras (idem, p.174).

2.     É um método objetivo. Segundo Durkheim, ele é um método inteiramente dominado pela idéia de que os fatos sociais são coisas e como tais devem ser tratados (idem, p.148).

3.     É exclusivamente sociológico. Ou seja, não deriva da forma da filosofia tratar a sociedade, nem da psicologia, e nem das ciências naturais, uma vez que afirma que a sociedade tem uma natureza própria, que não é derivada nem da natureza humana, nem das consciências individuais, nem das constituições orgânicas dos indivíduos.

 

 

Prof. Ms. Alcemir Pinheiro Ribeiro